Desemprego, culpa, depressão profunda, dependência química, alcoolismo, desafios na internet… São muitos os fatores que podem levar ao suicídio. Por isso, cresce cada vez mais a relevância do Setembro Amarelo, mês dedicado à conscientização e à prevenção do suicídio.

Para falar sobre esse tema tão importante, conversamos com padre Licio de Araújo Vale, um dos maiores especialistas no assunto e autor de diversos livros publicados pela Paulinas Editora. Na entrevista, ele fala sobre a influência da internet no aumento do número de suicídios entre crianças e adolescentes, a dor das famílias enlutadas e também compartilha sua experiência pessoal: perdeu o pai por suicídio quando tinha apenas 13 anos.

Rádio Divino Oleiro – O que leva uma pessoa a atentar contra a própria vida? Quais são os gatilhos que levam a uma atitude tão drástica?

Padre Licio – O suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial. São vários os fatores de risco, e normalmente nunca é por uma única causa. Eles se associam: o desemprego, por exemplo, pode levar à queda de rendimento e poder econômico, aumentando a ansiedade e a angústia. Há também fatores psicológicos e emocionais, como transtornos de ansiedade e depressão. Não significa que toda pessoa deprimida vá pôr fim à vida, mas são fatores de risco. Há ainda questões familiares, como brigas na separação, feminicídio (quando o homem mata a companheira e depois se mata). São múltiplos fatores que se somam e levam a pessoa a tirar a própria vida.

Rádio Divino Oleiro – Em seu livro, o senhor menciona que a incidência de suicídios entre adolescentes e jovens é muito alta. Quais sinais pais, professores e amigos devem observar?

Padre Licio – No Brasil, a faixa etária que mais cresce em casos de suicídio é justamente a de adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos. Para esse grupo, alguns fatores de risco são importantes, como a depressão. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem identificado diagnósticos cada vez mais precoces. Além disso, pesam a vulnerabilidade social, a homofobia, o bullying na escola e, sobretudo hoje, os desafios das redes sociais. Elas têm um papel predominante como fator de risco, especialmente os jogos desafiadores. A grande dica para os pais é controlar o acesso. O ideal seria que crianças e adolescentes não tivessem redes sociais, mas, como isso é difícil, ao menos que conversem sobre o que veem e jogam.

“As redes sociais têm um papel predominante como fator de risco para suicídios, sobretudo os jogos desafiadores.”

Rádio Divino Oleiro – Os influenciadores digitais também contribuem para esse cenário, ao “venderem” um estilo de vida inalcançável?

Padre Licio – Sim. Muitas vezes isso gera vazio, frustração e perda do sentido da vida, já que nunca poderei ser como eles, nem ter o que têm. Os influenciadores exercem forte poder educativo, influenciando ideias, comportamentos, atitudes e valores. Seus seguidores acabam imitando estilos de vida que, muitas vezes, não têm qualquer comprometimento ou objetivo. Os influenciadores poderiam ter um papel muito importante no combate ao suicídio, mas hoje, sobretudo com os jogos de desafios, acabam sendo fatores que aumentam os casos.

“Os influenciadores poderiam ter um papel muito importante no combate ao suicídio, mas, hoje em dia, sobretudo com os jogos de desafios, são fatores que aumentam o número de suicídios.”

Rádio Divino Oleiro – Por isso é importante a regulação das big techs?

Padre Licio – Sim, com certeza. Sou favorável a que todas as big techs sejam responsabilizadas pelo conteúdo que publicam. Elas poderiam controlar esse material, e os desafios que levam ao suicídio nem existiriam se houvesse fiscalização.

Rádio Divino Oleiro – O suicídio pode ser resultado de um vazio existencial. De que forma a religião – ou qualquer crença – pode ajudar?

Padre Licio – A OMS afirma que ter uma religião e praticar a fé é fator de proteção contra o suicídio. Ao me relacionar com Deus, sinto-me guiado, protegido, não sozinho. A prática da fé em comunidade aumenta os relacionamentos sociais e a possibilidade de pedir ajuda em momentos de dor, sofrimento ou angústia. Do ponto de vista espiritual, nós católicos cremos que Deus está sempre conosco e, portanto, nunca estamos sozinhos. Jesus disse: “Eu estarei convosco todos os dias até o fim dos tempos”.

“Ter uma religião e praticar uma fé é fator de proteção ao suicídio.”

Rádio Divino Oleiro – O senhor fala sobre a dor das famílias que perderam alguém por suicídio. Como lidar com esse luto e com a culpa?

Padre Licio – As famílias são chamadas de sobreviventes do suicídio. Muitas vezes precisam reconstruir a vida e refazer planos que incluíam a pessoa perdida. O que complica é que, na maioria dos casos, não se sabe exatamente o motivo. Isso gera o “e se…”: “E se eu tivesse ajudado mais?”, “E se eu estivesse mais próximo?”. No luto normal, é comum canalizar a raiva: contra o vírus da covid, contra o motorista bêbado. No suicídio, isso não acontece: não há para onde direcionar a raiva ou a culpa. O luto é um processo individual, sem prazo, e algumas pessoas têm muita dificuldade de retomar a vida. Por isso é importante procurar um profissional de saúde mental.

Rádio Divino Oleiro – Como surgiu seu interesse pelo tema do suicídio?

Padre Licio – O suicídio entrou cedo em minha vida. Meu pai se suicidou quando eu tinha 13 anos, e ele, 43. Isso faz 55 anos. Foi muito sofrido para mim e para minha mãe. Tivemos que reconstruir as emoções e a vida. Ele era alcoolista e vivia uma depressão profunda, com uma dor imensa. A grande maioria das pessoas que atentam contra a própria vida não querem acabar com a vida, querem matar a dor. A depressão tira a alegria de viver, e a vida perde totalmente o sentido.

Rádio Divino Oleiro – Qual mensagem o senhor deixa no Setembro Amarelo?

Padre Licio – O Setembro Amarelo é um mês de consciência e prevenção, mas esse cuidado precisa existir o ano todo. Minha mensagem é: não sofra sozinho, busque ajuda. Sempre há alguém que nos ama e pode nos apoiar. Cuide da sua saúde mental e emocional. Cuidar da saúde mental é cuidar da vida – e a vida é o maior dom e presente que Deus nos deu.

“Cuidar da saúde mental é cuidar da vida, e a vida é o maior dom e o maior presente que Deus nos deu.”

Quem é o padre Licio de Araújo Vale?

  • Filósofo pela PUC-SP.

  • Qualificado em Suicídio e Automutilação pela Unipar.

  • Especialista em Prevenção ao Suicídio pela UFSC.

  • Pesquisador sobre luto e valorização da vida, educador e palestrante.

Livros publicados pela Paulinas Editora:

  • Mente suicida – Respostas aos porquês silenciados

  • Como é que está aí? Luto no silêncio de uma resposta

  • E foram deixados para trás – Uma reflexão sobre o fenômeno do suicídio

  • Acolher e se afastar: relações nutritivas ou tóxicas

Os livros podem ser encontrados nas Paulinas Livrarias, no site paulinas.com.br, pelo telefone 0800 70 100 81 ou pelo WhatsApp (11) 97204-2814.